domingo, 11 de setembro de 2011

NOVA IORQUE: 6 MESES DEPOIS


(6 meses depois da queda das Torres Gémeas estava em Nova Iorque. Aqui fica o artigo que escrevi e que foi publicado na revista Notícias Magazine)

NOVA IORQUE: 6 MESES DEPOIS

Turistas! Turistas! Acabou de abrir o mais emocionante e espectacular parque de diversões nos Estados Unidos. Peguem nos vossos filhos, agarrem nas máquinas fotográficas e nas câmaras de vídeo e apanhem o voo para Nova Iorque. Não tem Mickeys, Donalds ou o Et. É de origem afegã e é o primeiro parque de diversões em versão reality show. Chiça. Estou chocado.


Texto e fotografias de Francisco Salgueiro

11 de Setembro 2001. Dois aviões transformados em mísseis vão contra as torres gémeas em Nova Iorque. Mais de três mil pessoas morrem. Até agora só foram desenterrados cerca de mil corpos. Pensa-se que os restantes dois mil nunca serão encontrados. O mais certo é estarem transformados em pó. Centenas de milhares de familiares e amigos vão ficar com as suas vidas lesionadas até irem para debaixo da terra. A zona sul de Manhattan é um gigantesco cemitério.

Só isto seria o suficiente para sempre que alguém passasse por aquele local, hoje ou daqui a mil anos, pusesse um adesivo à volta da boca e shhhhhhhh. Parasse por três segundos e ficasse transformado em candidato a Miss Universo e pedisse paz no mundo.

Essa não é zona para se contarem anedotas de loiras, seguidas de uma overdose de risos, as últimas sobre a relação entre o Tom Cruise e a Penelope Cruz, ou tirarem-se fotografias com toda a família para se colocarem em cima da televisão, ao lado da colecção de Estrumpfes saídos no Happy Meal.

Chama-se Ground Zero, é o local onde estavam as torres. Seis meses mais tarde está transformado num parque de diversões. O que lá se passa é... é... inacreditável.... impressionante... chocante... Sigam-me para vos fazer uma visita guiada:

Bin Laden é o grande responsável pela fim da recessão nos Estados Unidos, por uma quebra de 40% dos crimes em Nova Iorque e por uma injecção de adrenalina no turismo em Manhattan. Todos os dias milhares de pessoas chegam a NY simplesmente para visitarem os locais onde tudo aconteceu. Vão acompanhados de filhos, máquinas fotográficas e muito dinheiro para gastarem nos souvenirs que se vendem na rua. Sim, há souvenirs dos atentados. Neste momento nasceu uma nova actividade em Nova Iorque, os souvenirs dedicados ao 11 de Setembro.

Souvenirs para toda a família

Num raio de cem metros à volta do ground zero, há dezenas de banquinhas, onde ao lado das fotografias piratas dos Backstreet Boys vendem-se: a) Gorros que dizem “9/11”, “Ground Zero” e “WTC” (World Trade Center). Nota de mim para vocês: quem é que no seu perfeito juízo vai andar na rua com um gorro que diz Ground Zero?!? Não será o mesmo que andar com o gorro a dizer “Valas Comuns Albânia 1999”?; b) Fotografias piratas da queda das torres e dos trabalhos de remoção dos destroços. Uma fotografia simples custa um dólar. Normalmente são scans de fotografias saídas em revistas. As fotografias originais são vendidas em álbuns estilo Kodak, onde um pack de quinze custa 10 dólares; c) CD Roms. Sim, CD Roms!!! Com fotos, desenhos e animações… animações dos embates!!!! Os CD Roms estão à venda na secção dos cds piratas ao lado dos discos da Shakira; d) Livros com ar de panfletos, com as ”melhores fotografias do grande desastres”. Têm um ar tão reles, mas tão reles, que qualquer edição do Despertai parece uma edição de luxo.

Mas não são só nas banquinhas que existem souvenirs. Ai isso é que não! Vi com estes olhos que os genes dos meus pais fizeram, lojas dentro de centros comerciais a venderem postais à séria. Com espaço para escrever a morada e colocar o selo, das torres a caírem, dos hospitais à espera dos feridos e de pessoas em estado de choque na rua. Encontram-se em mostradores que têm uma tabuleta a dizer “Disaster Cards”!!!! Há para cima de 30 tipos de diferentes postais. É impressão minha, ou isto é igual a ter a venda postais de um mercado em Israel que acabou de sofrer um atentado suicida?

Fotografias mórbidas

Daqui a muito poucos minutos vou descrever a atracção mais concorrida, mas para já é tempo de um dos locais obrigatórios: o Hospital de St. Vincents. Uma das paredes está recheada de fotografias de pessoas desaparecidas. Mais de oitocentas. Este era o hospital para onde os feridos deveriam ter ido. Fica mesmo ao lado do WTC. Por isso foi um dos primeiros locais onde os familiares começaram a afixar as fotografias nas paredes. Hoje ainda lá continuam. Ao lado de amigos e familiares que lá vão colocar fita cola nas fotografias que estão a começar a descolar-se das paredes há uma orquestra de clics, clics, clics. De origem japonesa, europeia e norte americana.

E não se limitam a tirar fotografias às fotografias. Metem toda a família à frente, fazem o melhor enquadramento e depois clic. Ainda há os que pedem a alguém que está a passear na rua para lhes tirar uma fotografia, de modo a ficarem todos incluídos. Mórbido… muito mórbido. Alguém já viu serem tiradas fotografias versão holidays junto aos chuveiros dos campos de concentração nazi?

United We Stand

Depois vão todos para a nova aquisição do parque. O símbolo da esperança, do podemos-ser-atingidos-mas-como-somos-de-boa-qualidade-erguemo-nos-rapidamente: Uma esfera gigante em metal, que estava no meio das torre e que sabe-se lá como sofreu apenas algumas amachucadelas. Está em exposição ao ar livre no Battery Park, a um quilómetro do Ground Zero.

As famílias entram em delírio quando a vêem. Como se tivesse sido um milagre não ter ficado transformada em pó. Aleluia. Aleluia. Esta é a zona onde actualmente se ouvem mais uaus por segundo.

Uma vez mais as família tiram fotografias uns aos outro. O pai com a mãe, a mãe sozinha, o pai com o filho mais velho e os irmãos a beberem uma coca cola comprada no Burger King. Às vezes riem, outras tiram macacos do nariz, e até fazem cornos uns aos outros.  

Made in China

Mesmo antes de ir à atracção mais concorrida não posso deixar de falar das bandeirinhas. Nos últimos meses centenas de pequenas companhias chinesas, que pagam um dólar por mês aos seus empregados, devem estar mais ricas do que o Bill Gates. Carro sim, carro não, existe uma bandeirinha norte americana. Prédio sim, prédio não, existem bandeironas norte americanas.  Bem lá no canto está escrito “Made in China”.

Fotografias, desenhos e a Britney Spears

Os muros da solidariedade estão espalhados por toda a cidade. Alguns têm dezenas, outros centenas de metros. E o que são os muros de solidariedade? Cartas, fotografias e desenhos de pessoas que querem mostrar que estão solidárias, e colam-nas num muro, parede ou gradeamento.

É mais fulminante do que um vírus. As pessoas olham para o amontoado de cartas e desenhos, reparam que têm um guardanapo na mão e não resistem a escrever qualquer coisa para depois colarem nas paredes. Dividem-se em: a) Sofrimento: “Perdi aqui alguém que conhecia”; b) Sofrimento contagiante: “Não perdi aqui ninguém que conhecia mas estou triste por aqueles que conheciam”; c) Tenho que escrever alguma coisa: “Illionois sara com Manhattan”; d) E porque não?: “Estive aqui”; e) Os filhos também deixam a sua opinião: “Tenho pena pelo que aconteceu, a minha irmã gosta da Britney Spears mas eu prefiro os N Sync”.

Estes muros da solidariedade também são muito concorridos para momentos Kodak, mas com pose: Grupos de amigos que tiram a t-shirt e fingem que são o Tarzan, japoneses que fazem um v com os dedos e mostram com orgulho a t-shirt que acabaram de comprar e que diz “United we stand”, etc, etc, etc. Tudo isto no meio de anedotas sobre loiras, Monica Lewinski e Michael Jackson.

Lotação Esgotada

Mas a atracção mais concorrida é a plataforma de observação. Feita de propósito para as pessoas poderem ver os trabalhos de remoção dos destroços. A uns 4 metros do chão e feita em madeira. Mas para se lá ir é preciso um bilhete. UM BILHETE!!!!!!!!! Apesar de ser à borla, quem quiser ver os destroços tem de andar cerca de dois quilómetros até ao Pier 17, onde podem ser levantados.

E os turistas partem em peregrinação como se estivessem em Torremolinos. Milhares... e não estou a exagerar... milhares percorrem as ruas desde a entrada da plataforma, onde perguntam onde há bilhetes, até ao local onde estão a ser entregues. Essas ruas estão mais movimentadas do que Times Square. E quando lá chegam apanham quase sempre com a resposta “só há para amanhã”. Todos os dias são entregues 20 mil bilhetes. Mas normalmente, a partir das dez da manhã já só há bilhetes para o dia seguinte. Às oito da manhã, há um fila de trezentos metros. À chuva, ao sol ou à neve.

E os bilhetes têm hora marcada. Um atraso de vinte minutos dá direito a uma simpática “Não viu as horas que estavam aí marcadas?! Tem de ir buscar outro!” “Mas... mas... mas”, “Já lhe disse que isso perdeu a validade. Agradeço que saia do caminho porque há pessoas que têm bilhete para esta hora e querem entrar”.

Mas só podem subir a plataforma umas trinta pessoas de cada vez. Senão a plataforma cai e a zona passaria a ter outra atracção turística. Conclusão: Fila do Bilhete: 40 minutos. Fila da plataforma: 30 minutos. Subir na plataforma e ver os destroços: 1 minuto. Quando o ponteiro passa dos 59 segundos para os 60, os policias começam a mandar avançar, porque senão os passeios ficam entupidos com os grupos que vêm a seguir.

Enquanto estava na plataforma quase que fiquei surdo com tantas máquinas a dispararem ao mesmo tempo. Clic. Clic. Nem um segundo de pausa. Clic. Clic. Numa mão uma máquina fotográfica. Clic. Clic. Noutra uma câmara de vídeo.

Durante os sessenta segundos só há três tipos de conversas: a) Os pais contam aos filhos onde estava a torre norte, a torre sul, onde os aviões chocaram, quando tempo as torres demoraram a ser construídas, quantos andares tinham, quantas toneladas de cimento foram utilizadas. Tudo isto com um ar sábio e imponente como se estivessem a relatar a evolução da família real russa; b) Fenómeno-solidariedade-da-plataforma, onde as pessoas falam com o estranho que está ao lado, e onde contam as suas experiências com as torres. Ex: “Em 1986 eu estive dentro da torre Norte, a comer no Mc Donalds, e tive imensa sorte por os aviões não terem chocado nessa altura”; c) Que chatice, está aqui tanta gente! Queria tirar-nos uma fotografia a verem-se os destroços lá ao fundo.

Tour sinistro

Há um local que ainda não foi descoberto pelos turistas. A zona onde os camiões vão descarregar os destroços nos batelões, que vão depositá-los em Staten Island. Fica mesmo ao lado do Ground Zero, em Battery City. Mas provavelmente será a nova atracção, porque consta que brevemente uma empresa vai abrir uma linha de autocarros turísticas que levará as pessoas a visitarem os locais mais simbólicos do 11 de Setembro. O Disaster Tour!

E que é que virá a seguir!?!? Um musical na Broadway onde o grande final são as torres a caírem e à frente vêem-se polícias e bombeiras a cantarem e dançarem can-can?!

Só para terminar, estão a começar a aparecer na net pessoas a venderem destroços, roupas e botas queimadas que foram encontradas nos destroços... uffff...

E assim acabo a visita guiada pelo freak show mais estranho que vi em toda a minha vida. Um parque de diversões macabro, onde todos os dias pode acontecer uma coisa nova: um corpo encontrado em total estado de putrefacção, um prédio ter de ser demolido, uma nova estátua e sobretudo muitas polaroids familiares onde ao fundo se vêem fotografias de pessoas mortas ou o local onde morreram.







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