por: Francisco Salgueiro
“Don’t make
me sad… don’t make me cry…”. Ao longe oiço a Lana del Rey. É um som
abafado que vem do quarto. Não gosto desta música, nunca gostei. Mas ela
insistiu que devia colocar como toque no meu telemóvel. Era o toque que a identificaria
apenas a ela, sempre que me ligasse. Era a sua música preferida. Era suposto eu
dizer o quê? Não ponho porque não gosto?
Era estranho ter como toque uma música que não gosto
associada à pessoa que eu mais amava na minha vida. Era uma esquizofrenia que o
meu cérebro tentava decifrar.
São as concessões numa relação. Quantas coisas minhas ela
não deveria gostar e as aceitava. É uma das aprendizagens das relações. A
concessão.
Nos primeiros tempos estranhei. Tinha vivido demasiado tempo
sozinho e quando ela se mudou para o meu apartamento era como se tivesse
permanentemente alguém a fazer Couchsurfing em minha casa. Com o tempo fui-me habituando.
Com o tempo fui gostando. Com o tempo fui amando.
A cada dia que passava sentia-me mais próximo dela. Casamento.
Eu, a pensar em casamento.
Até ao dia em que tudo acabou de forma inesperada e
violenta. De uma brutalidade avassaladora. A minha primeira reacção foi apagar
o número dela, apagar a Lana Del Rey. Deletar a Lana Del Rey seria a minha vingança
contra o fim da nossa relação. Olhei para o telefone várias vezes, fiz várias
tentativas mas nunca consegui. Tinha-me habituado à música. Tinha-me habituado
àquela presença. Era o único elo de ligação que tinha com ela. Deixei ficar.
E agora a Lana Del Rey estava a tocar. Era ela. O meu
coração bateu mais depressa. Levantei-me rapidamente e dirigi-me para o quarto.
O telefone estava em cima da cama. Peguei nele com as mãos a
tremer. Olhei para o visor e era ela. Madalena. Fiquei uns segundos sem atender,
sem saber o que haveria de dizer.
“Don’t make
me sad… don’t make me cry…”.
Passei o dedo pelo visor.
“Olá,” disse a voz do outro lado.
“Olá,” respondi.
Silêncio durante alguns segundos.
“Acabou tudo,” disse a voz do outro lado.
Uma lágrima escorreu pela minha cara. Quente.
Eu sabia que não havia nada que pudesse dizer para inverter
a decisão.
O meu corpo reagiu desidratando-se.
“Os médicos acabaram de desligar a máquina de ventilação
assistida. Eu e o pai da Madalena demos autorização. Não valia a pena
prolongar. O acidente foi demasiado violento. A morte cerebral não tem
retrocesso.”
O iPhone cai no chão estilhaçando-se e eu deixo-me cair na
cama num choro convulsivo.
2 comentários:
Muito bom...
Obrigado pela inspiração.
Obrigado, pedro
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