Por: Francisco Salgueiro
Há vinte anos eras a mulher da minha vida. Sim, era a altura
em que eu acreditava que cada um de nós estava predestinado para ter uma única pessoa
com quem seríamos felizes para sempre.
Conhecemo-nos com 15 anos. Não os 15 anos de 2012 mas os 15
anos de 1988, onde o teledisco da Samantha Fox “Touch me” era quase considerado
pornografia hard core. Nunca percebi como é que não houve uma manifestação de
padres a apedrejarem a RTP sempre que era transmitido.
Não éramos apenas amigos. Éramos os melhores amigos.
Falávamos todos os dias ao telefone. Espera… espera. Falávamos no liceu durante
os intervalos e depois íamos para casa onde ainda ficávamos a falar ao telefone
durante horas. Sim. Horas. Onde de cada lado ouvíamos berros “desliga isso!”.
Não havia telemóveis. Havia apenas um telefone em casa e os nossos familiares
eram uns chatos porque também queriam falar. Será que não percebiam que era
muito mais importante o que tínhamos para dizer um ao outro do que o que eles
tinha para falar com quem quer que fosse? Mesmo que alguém tivesse partido uma
perna…para que é que serviam as cabines telefónicas?
As nossas conversas tinham sempre um elevado teor
intelectual. Eu falava da Tiffany, tu dos Wet Wet Wet, e as horas passavam.
Eu estava apaixonado por ti e não fazia a mínima ideia. Nem
sabia que tal coisa existia. Apenas sabia que era contigo que queria passar
todo o tempo em que não estava a ouvir as professoras dizerem coisas que ainda
hoje não as apliquei e por isso foram uma perda de tempo.
Até que desapareceste. Dois. Três anos. Não sei bem. Por aí.
A minha melhor amiga tinha desparecido. Mudaste de liceu, houve uma grande
mudança na tua vida e eu senti um vazio na minha. Mas continuava a não perceber
que vazio era esse.
Até que um dia te vi no Algarve. Vi-te durante meio segundo.
É sinal que os meus olhos têm super poderes. Chamei-te mas não ouviste, é sinal
que a minha voz não tem super poderes.
Mas foi aí, nessa noite em Vilamoura que percebi que estava apaixonado
por ti. Acho que foi essa a primeira vez que percebi o que era gostar de uma
pessoa mais do que apenas por amizade. Na minha cabeça começaram a ser
transmitidos filmes das nossas tardes juntos, dos nossos telefonemas e foi aí
que descobri que queria estar contigo.
Mas tu tinhas outra pessoa e as coisas eram bem mais
complicadas do que apenas esse facto.
Em Lisboa peguei num papel e comecei a escrever. Foi uma
carta enorme, nem me lembro bem o que escrevi, nem sei se ainda a tens. Só me
lembro que disse que gostava de ti.
E de repente isso mudou por completo a minha vida. Pelos
vistos também gostavas de mim e não apenas por amizade.
Apesar de atribulados, foram uns meses de namoro que eu
gostei muito. Muitas experiências novas, muitas sensações que não sabia
existirem, mas o que mais me dava prazer é que namorava com a minha melhor
amiga e que afinal eras mesmo a mulher da minha vida.
Até que alterações externas levaram a que um dia dissesses
“Não quero estar mais contigo”. Assim de repente. Sem eu estar à espera. Sem
estar preparado. Era um trapezista em pleno acto que caiu, não tinha rede e
ainda fez um buraco de seis metros no chão. Isso não dá grande saúde às costas.
Tentei perceber o que se tinha passado. Este é um dos meus
grandes defeitos. Tentar sempre perceber o porquê das coisas. O problema é que
por vezes nem as próprias pessoas têm consciência delas. Liguei-te. Mas cada
vez que o fazia sentia-te diferente. Já não eras a minha namorada. Já não eras
a minha melhor amiga. Eras uma pessoa que se queria afastar de mim.
E não há maior dor do que alguém de quem gostamos se querer
afastar de nós.
Lembro da última vez que estivemos juntos. Disseste-me “Sinto
existir duas pessoas dentro de mim: uma boa e uma má. E a má está a ganhar.”
Estavas a sair da minha mota, vi-te a entrar cabisbaixa para dentro do teu
prédio e nunca mais te vi.
Chorei. Não nesse segundo. Ainda estava em choque com tudo o
que estava a acontecer, mas chorei. Em casa, no carro, em casa de amigos. A
minha melhor amiga tinha desparecido para sempre. Ainda te liguei uma vez ou
duas vezes e a tua voz era um icebergue. Daqueles que afundaria um transatlântico
dos grandes. E lembro-me das últimas palavras que te disse “Amanhã ligo-te.
Beijinhos”.
A tua voz foi de total indiferença. E foi aí que percebi que
tinha de começar o luto. Sabia lá na altura que se fazia luto de uma relação.
Vestir-me-ia de preto? Iria pedir às vizinhas para carpirem as mágoas comigo?
Nunca mais te liguei. Chorei. Odiei-te. Muito. Durante meses
foste a pessoa que eu mais odiei no mundo. Não percebi por que me tinhas feito
aquilo. Escrevi-te uma carta todas as noites. Devo ter escrito mais de 20. E
nunca as enviei. Foi uma forma de exorcizar.
Exorcizei mas continuei a odiar-te muito.
Apesar de vivermos muito próximos um do outro nunca mais te
vi. Foram cerca de vinte anos em que não nos vimos.
Até que nos encontrámos. E estavas casada. E falámos. E
sorrimos um para o outro. Da minha parte sem mágoa. Sem ressentimento. Sem
ódio. Fiquei feliz por te ver feliz. Despedimo-nos. Senti-me em paz.
E subitamente, e por acaso, encontrámo-nos de novo.
E uma vez mais o sentimento pacificador dentro de mim confirmou
que o ódio tinha mesmo desaparecido. Agora restava amizade.
Não sei quando nos voltaremos a ver, ou se nos voltaremos a
ver, mas sinceramente, e há 20 anos seria incapaz de dizer isto, desejo que
tudo corra bem na tua vida. Quero que sejas muito feliz.
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