quarta-feira, 25 de julho de 2012

Há mais do que uma mulher na nossa vida?



Por: Francisco Salgueiro

Há vinte anos eras a mulher da minha vida. Sim, era a altura em que eu acreditava que cada um de nós estava predestinado para ter uma única pessoa com quem seríamos felizes para sempre.

Conhecemo-nos com 15 anos. Não os 15 anos de 2012 mas os 15 anos de 1988, onde o teledisco da Samantha Fox “Touch me” era quase considerado pornografia hard core. Nunca percebi como é que não houve uma manifestação de padres a apedrejarem a RTP sempre que era transmitido.

Não éramos apenas amigos. Éramos os melhores amigos. Falávamos todos os dias ao telefone. Espera… espera. Falávamos no liceu durante os intervalos e depois íamos para casa onde ainda ficávamos a falar ao telefone durante horas. Sim. Horas. Onde de cada lado ouvíamos berros “desliga isso!”. Não havia telemóveis. Havia apenas um telefone em casa e os nossos familiares eram uns chatos porque também queriam falar. Será que não percebiam que era muito mais importante o que tínhamos para dizer um ao outro do que o que eles tinha para falar com quem quer que fosse? Mesmo que alguém tivesse partido uma perna…para que é que serviam as cabines telefónicas?

As nossas conversas tinham sempre um elevado teor intelectual. Eu falava da Tiffany, tu dos Wet Wet Wet, e as horas passavam.

Eu estava apaixonado por ti e não fazia a mínima ideia. Nem sabia que tal coisa existia. Apenas sabia que era contigo que queria passar todo o tempo em que não estava a ouvir as professoras dizerem coisas que ainda hoje não as apliquei e por isso foram uma perda de tempo.

Até que desapareceste. Dois. Três anos. Não sei bem. Por aí. A minha melhor amiga tinha desparecido. Mudaste de liceu, houve uma grande mudança na tua vida e eu senti um vazio na minha. Mas continuava a não perceber que vazio era esse.

Até que um dia te vi no Algarve. Vi-te durante meio segundo. É sinal que os meus olhos têm super poderes. Chamei-te mas não ouviste, é sinal que a minha voz não tem super poderes.

Mas foi aí, nessa noite em Vilamoura que percebi que estava apaixonado por ti. Acho que foi essa a primeira vez que percebi o que era gostar de uma pessoa mais do que apenas por amizade. Na minha cabeça começaram a ser transmitidos filmes das nossas tardes juntos, dos nossos telefonemas e foi aí que descobri que queria estar contigo.

Mas tu tinhas outra pessoa e as coisas eram bem mais complicadas do que apenas esse facto.

Em Lisboa peguei num papel e comecei a escrever. Foi uma carta enorme, nem me lembro bem o que escrevi, nem sei se ainda a tens. Só me lembro que disse que gostava de ti.

E de repente isso mudou por completo a minha vida. Pelos vistos também gostavas de mim e não apenas por amizade.

Apesar de atribulados, foram uns meses de namoro que eu gostei muito. Muitas experiências novas, muitas sensações que não sabia existirem, mas o que mais me dava prazer é que namorava com a minha melhor amiga e que afinal eras mesmo a mulher da minha vida.

Até que alterações externas levaram a que um dia dissesses “Não quero estar mais contigo”. Assim de repente. Sem eu estar à espera. Sem estar preparado. Era um trapezista em pleno acto que caiu, não tinha rede e ainda fez um buraco de seis metros no chão. Isso não dá grande saúde às costas.

Tentei perceber o que se tinha passado. Este é um dos meus grandes defeitos. Tentar sempre perceber o porquê das coisas. O problema é que por vezes nem as próprias pessoas têm consciência delas. Liguei-te. Mas cada vez que o fazia sentia-te diferente. Já não eras a minha namorada. Já não eras a minha melhor amiga. Eras uma pessoa que se queria afastar de mim.

E não há maior dor do que alguém de quem gostamos se querer afastar de nós.

Lembro da última vez que estivemos juntos. Disseste-me “Sinto existir duas pessoas dentro de mim: uma boa e uma má. E a má está a ganhar.” Estavas a sair da minha mota, vi-te a entrar cabisbaixa para dentro do teu prédio e nunca mais te vi.

Chorei. Não nesse segundo. Ainda estava em choque com tudo o que estava a acontecer, mas chorei. Em casa, no carro, em casa de amigos. A minha melhor amiga tinha desparecido para sempre. Ainda te liguei uma vez ou duas vezes e a tua voz era um icebergue. Daqueles que afundaria um transatlântico dos grandes. E lembro-me das últimas palavras que te disse “Amanhã ligo-te. Beijinhos”.

A tua voz foi de total indiferença. E foi aí que percebi que tinha de começar o luto. Sabia lá na altura que se fazia luto de uma relação. Vestir-me-ia de preto? Iria pedir às vizinhas para carpirem as mágoas comigo?

Nunca mais te liguei. Chorei. Odiei-te. Muito. Durante meses foste a pessoa que eu mais odiei no mundo. Não percebi por que me tinhas feito aquilo. Escrevi-te uma carta todas as noites. Devo ter escrito mais de 20. E nunca as enviei. Foi uma forma de exorcizar.

Exorcizei mas continuei a odiar-te muito.

Apesar de vivermos muito próximos um do outro nunca mais te vi. Foram cerca de vinte anos em que não nos vimos.

Até que nos encontrámos. E estavas casada. E falámos. E sorrimos um para o outro. Da minha parte sem mágoa. Sem ressentimento. Sem ódio. Fiquei feliz por te ver feliz. Despedimo-nos. Senti-me em paz.

E subitamente, e por acaso, encontrámo-nos de novo.

E uma vez mais o sentimento pacificador dentro de mim confirmou que o ódio tinha mesmo desaparecido. Agora restava amizade.

Não sei quando nos voltaremos a ver, ou se nos voltaremos a ver, mas sinceramente, e há 20 anos seria incapaz de dizer isto, desejo que tudo corra bem na tua vida. Quero que sejas muito feliz.


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